quarta-feira, 23 de abril de 2008

Desejo Obscuro

Por Ricardo Casmurro

Eu sinto falta de você
De você e de todas as coisas que você é
Não há nada neste mundo igual
Nem pra você nem pra mim

Talvez um dia eu consiga responder
À angústia e ao desejo que carrego
Em certo ponto misturados num leve desespero
Que me prende ao que não posso evitar
É parte da minha condição
vejo beleza em muito que vejo
E não posso simplesmente tapar os olhos
Pareço não ter mãos

Mas o que me assusta e me faz fugir
É o que me faz querer mais desta beleza
Sei que o que vejo em você é puramente seu
E adimiro você pelo que você é
Não consigo deixar de sentir essa ponta de desalienação
Ela me enriquece e me empobrece
A angústia da eterna solidão
De amar tanto sem ao menos perceber
Que isso me faz mal

Mas quero te ter
Não pra mim por que não teu dono
Quero poder te dar o que pude e o que pude
O que dei e o que quis dar
Mesmo depois de anos e quilômetros
Não há necessidade a ser suprida
Existe você e toda a maravilha que você é
Não importa quantas amei igual a como amei você
Todas são diferentes de você
E as amo também
Mas cada uma é um ser único
Com qualidade e defeitos que me encantam
Estar longe de você me faz pensar na tua memória
Me faz sentir a angústia de não saber como você está
Me faz sentir o vazio entre os braços em que você deveria estar
Sinto falta de estar junto de você
Sentindo seu toque, seu carinho, seu desejo
Quero ouvir você me dizendo o que gosta, o que não gosta
Quero sentir a tua memória virando-se pra mim no presente
Quero que você saiba como me sinto
Quero que você saiba como você me encanta
Mas sei que te ontar pode te assustar
Mesmo que ainda não tenha vivido nada com você
Não consigo deixar de ver você como parte de mim
E de ver a mim como parte de você
Não consigo deixar de me sentir feliz com a tua felicidade
E de me sentir triste com a tua tristeza
Mas sei que esse desejo obscuro pode te deixar mais longe
E quero poder te dar qualquer parte do carinho que posso dar ou que precisa receber
Por que meu amor não é minha vontade, mas nós dois
E sei que por mais majestoso que seja esse sentimento
Ele pode te assutar, por que você ainda não viu uma ponta disso tudo
E por isso me escondo, me castro
Por que a comunidade dos seres humanos está longe
E até lá só haverá entre nós a alienação.

Sobre: Este poema trata de um sentimento talvez muito irreal para a maioria das pessoas. Aqui, não trato do amor por uma pessoa, ou seja lá que nome se pode dar a esse sentimento. Aqui trato do "amor" por mais de uma pessoa, ou melhor, o "amor" verdadeiramente sem restrições: aquele em que se ama por valorizar a pessoa com quem se está, por ver nela algo de maravilhoso e não pura e simplesmente tentar suprir suas necessidades emocionais. Esse tipo de "amor", digamos, desalienado, se dá de forma extremamente profunda, mais que o normal, de tal forma que não importa quanto tempo passe, quanta distância tenha ou quão efêmero foi o contato, ainda há o sentimento de querer dar para a pessoa algo de bom, algum prazer, algum afeto. Isso é torturante, pois a maioria das pessoas não funciona assim. Valorizo muito o que há em cada pessoa e justamente por isso, por não ver distância entre mim e o outro, tendo a ver as necessidades do outro como minhas; e isso se dá com várias pessoas ao mesmo tempo. Não é uma forma menos avançada do "amor verdadeiro", é um "amor" múltiplo. E que, por algum motivo, parece não acabar, no máximo "se esconder". O poema é mais um desabafo, mas também pode ser entendido como um manifesto do Poliamorismo Radical. Pena que as pessoas ao redor são tão distantes disso e que isso assusta tanta gente.)

Um comentário:

Jacky disse...

De todos os poemas deste blog acho que esse foi o que mais me tocou, talvez seja porque de certa forma me indentifiquei com ele.
É muito angustiante e ao mesmo tempo puro, quando vc ama dessa forma...digo isso pq sei como é.
Vc não quer simplismente aquela pessoa para si, mas sim apenas mostrar para ela o quanto vc a ama sem querer nada em troca.
O que realmente doi não é o sentimento em si, mas sim quando vc não pode dar e demostrar a pessoa tudo o que vc quer oferecer. Pelo simples fato da pessoa não compriender a plenitude do sentimento.
Sabe eu concordo com o que vc diz, que é um "amor" diferente é um amor livre. Mesmo que custe o sofrimento ainda sim é livre, livre de qualquer egoísmo e oportunismo.